Acho que a única polêmica que Vinícius causou durante toda sua vida, foi criar a inesquecível frase da poesia "Receita de Mulher": "As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". De resto, ele e o público (mesmo que composto por zilhões de feias) seguiram em perfeita harmônia lendo seus sonetos de separação, paixão, aproximação, desencanto (etc...) e cantando suas bossas eternas em parceria com Tom que falam de barquinhos, vento, mar, mulheres (claro) e blábláblá. Como a bossa é tediosa, meu Deus! Nem uma musiquinha de protesto, nem nada! Não é à toa que o "senhor ouvido absoluto" João Gilberto é tão chato.
Tá, mas voltando a polêmica frase de Vinícius. Porque raios um velho boêmio, beberrão, feio e poeta (diziam as mães das casadoiras meninas: "poesia não dá dinheiro minha filha, procure um bom partido de verdade") se achava no direito de exigir beleza? Claro que de nada adiantou os versos que prosseguiam e tentaram amenizar a frase de impacto do poema: "é preciso que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture (...)".
Ah Vinícius! Qual é?
Por que o mundo desde que é mundo é tão exigente com os seres do sexo feminino? No início do século passado, as mocinhas ganharam o carimbo de sexo frágil porque usavam apertadíssimos espartilhos e somente conseguiam vesti-los com a ajuda de outras duas pessoas que as espremiam até que as cinturas das mesmas parecessem um pilão. Deste jeito, o ar faltava, óbvio, e as pobres viviam a desmaiar pelos cantos. Daí vem a lenda do sexo frágil. Blé - que sexo frágil! Eu não usaria uma daquelas coisas nem sob a mira de um canhão (é, acho que canhão é uma arma letal apropriada para a época), já que me rebelo até mesmo com os sutiãs.
Mulher faz botox, peeling, bronzeamento artificial, depilação com cera quente, tira cutícula toda semana, usa cremes para o dia e para a noite, coloca litros de silicone nos seios, faz lipoaspiração, cirurgia na papada, nos olhos para não usar óculos, tira a sobrancelha, faz maquiagens que irritam a pele, gastam fortunas em roupas e sapatos todos os meses... E pra quê? Porque a maioria dos homens, assim como Vinicius, quer a seu lado uma mulher maravilhosa que nem precisa abrir a boca desde que seja realmente apresentável.
Homem pode tudo. Pode ser feio, careca, velho, barrigudo, cuspir no chão, tocar violão em boteco até tarde, mas a mulher que estiver com ele tem que ser apresentável. Claro, homem não é do tipo de "raça" que se garante. Precisa de troféus para carregar como prova de sua competência (mesmo que fajuta). Como se dissessem: "Tá vendo? Sou feio mas tenho uma gostosa comigo". Logo taxam a coitada: "Ih, esse cara deve ter grana para ter uma mulher dessas". Ou pior: "É, ele é um Zé ninguém, deve meter bem". Mundinho machista não? Pois é.
Beleza é fundamental? Será que é mesmo? Veja por você. Você se acha bonita, atraente, interessante? O que você busca em outra pessoa? Beleza, atração, algo interessante? Se o que você quiser de outra pessoa se resumir à beleza, espero que vocês dois sejam realmente belos. Nada mais justo do que se exigir beleza quando se tem de sobra.
Mas se o que você busca em outra pessoa é algo além da aparência, ponto pra você. Seja belo, seja feio, seja mediano (sim, existem as pessoas medianas, e não me critiquem por isso, é verdade), se o que você busca são braços gostosos em que possa se aconchegar durante a noite, olhar sincero que tente compreender todas as suas incompreensões (que não são poucas em nós humanos) e alguém a quem você possa falar: "E aí, tá a fim de um pastel e um caldo de cana na esquina?". Se você achar essa pessoa e a mesma conseguir também ver em você algo além de seus lindos lábios, além de suas pernas torneadas, ou até mesmo além de sua roupa (esquisita muitas vezes) - é ela a pessoa certa.
Ignore Vinícius, ele de nada sabia além de seus sonetos e de belas palavras. Ouso contestar o poeta e parodiá-lo: "Me perdoem os velhos bêbados e boêmios, mas existem coisas fundamentais além da beleza. Integridade e capacidade de formular frases com mais consistência, são algumas delas".
Tudo bem, admito Vinícius, usei você como bode expiatório para um texto feminista. Não, melhor, te usei para um texto que fale de mulheres além de lipos, silicones e de ginásticas para afinar a cintura. Você era "o cara" - mas pisou na bola com esta frase. Se te perdôo? Claro. Te achei burro apenas da primeira vez que li este poema, e eu devia ter uns 5 aninhos. Depois fiz de tudo para que esta impressão sumisse. Obriguei minha mãe (exímia professora de português) a me trazer alguns dos seus livros para que eu pudesse enfim constatar que você valia à pena. E mesmo sendo velho, feio e barrigudo, você escrevia como ninguém e se recuperou da asneira que escreveu em 1959. E sim, você valia a pena e era muito além da beleza inexistente. Ah, o que seriam de vocês homens se nós mulheres não fôssemos maravilhosas assim.