
Eu tenho um lado que quase ninguém conhece e que não faço questão nenhuma de esconder. Mas antes de contar a vocês e tornar isso algo público, um aviso.
Abre parênteses: Atenção feministas afetadas, esse post pode deixar algumas de vocês muito bravas. Eu sei disso porque eu também até posso ser inserida na categoria “feminista”, mas o que me diferencia de muitas é que faço parte da ala das coerentes, que defendem e acreditam em causas realmente importantes e possuem capacidade de colocar (pelo menos a maioria das vezes) os neurônios na frente dos hormônios. Fecha parênteses.
Continuando...
Eu sou uma Adélia.
Ai, Tukaam, você quis dizer Améliaam? Ai credo, Tukaam, não vou vir mais aqui. Tá, vou sim. Não, eu disse Adélia. A Amélia da música de Ataufo Alves e Mario Lago composta em 1941, virou sinônimo da mulher submissa que cuida da casa e do marido sem se preocupar com si mesma. Já Adélia, o termo que inventei e ao qual me auto-designo, sugere algo bem diferente. É aquela que possui todas as características de uma mulher moderna e bem resolvida, mas que se permite gostar e assumir aquilo que ainda hoje pode arrepiar os cabelos da nuca de qualquer feminista levantadora de bandeira. Ou seja, é a mulher que fez faculdade, é inteligente, bem informada, trabalha, cuida da beleza e da saúde e ainda assim adora cuidar da própria casa e do marido. Tudo isso sem nenhuma crise de consciência do tipo:
eu sou boa demais pra passar aspirador de pó nesse chão e colocar a roupa na máquina.
Eu sei o melhor sabão em pó do mercado. Eu organizo as gavetas do guarda-roupa. Eu acendo difusores com essências cheirosas. Eu passo roupa e as guardo em seus devidos lugares. Eu mantenho o armário do banheiro arrumadinho. Eu faço dezenas de coisas. Tudo, evidentemente, dentro do possível e dentro do tempo que possuo para tanto. Mas eu realmente gosto de tudo isso.
Óbvio que esse tipo de constatação levou algum tempo. Na minha época de faculdade jamais imaginara quão satisfeita eu poderia ficar em sair para comprar roupas de cama que combinassem com a cortina. Jamais passara pela minha cabeça que eu adoraria encontrar um produto que limpasse maravilhosamente bem meu espelho gigantesco e um que desse brilho ao meu piso de madeira. Eu estava ali na sala de aula disposta a ganhar suficiente para pagar alguém que fizesse isso por mim. Fui ensinada a vida toda que jamais poderia querer fazer isso tudo, pois teria que trilhar um longo caminho através do machismo. O tempo passou, me tornei uma mulher muito bem esclarecida e ciente de tudo, mas eis que me descobri tendo um prazer absurdo em organizar as minhas próprias coisas e em deixar minha casa com o jeito aconchegante que tanto gosto. Confesso que posso gostar justamente porque tenho a opção de ligar o foda-se e não fazer nada, confesso que de vez em quando apelo pra ajuda da Antônia, que eu não tenho o menor talento culinário e que eu odeio estender roupas, mas tudo o que faço é muitíssimo bem e com muito orgulho. Claro, um marido como o meu, que está sempre disposto a cooperar e que não tem a menor intenção de que eu seja sua empregada, ajuda muito.
Mas como assim, Tukaaam? Você não tem cara de que faz isso tudooom! Você é inteligente demais pra limpar a casaaaam! Você tem que ser baladeira, modérrrninha e mimadaam! Sim, leitores, acreditem em mim: eu consigo ser muitas coisas. Eu conheço o melhor rímel para aumentar os cílios, já li mais livros em um mês do que muitas pessoas em uma vida, assisto a milhares de filmes, sei o que se passa na política e economia, escrevo sobre qualquer assunto, trabalho e me insiro facilmente em qualquer área da comunicação, sou antenada na moda, conheço as novidades musicais e tecnológicas, gosto muito de sexo e o pratico quase todos os dias. Sou boa amiga, filha, irmã, tia, esposa e também dona de casa.
Portanto, eis mais um lado da dona desta casa virtual que vocês não sabiam que existia: o de dona de casa real. E como sei que muita gente ficará um tanto decepcionada com isso, quero dizer que é perfeitamente possível quebrar paradigmas todos os dias. E é óbvio que eu não estou ignorando as milhões de mulheres com outras realidades, as que batalham de sol a sol para sustentar os filhos, as que não tiveram oportunidade de estudo, as que muitas vezes apanham dos maridos, recebem menos do que um salário mínimo, vivem em lugares inabitáveis e que nem entenderiam isso tudo que escrevi aqui, pois simplesmente não tem opção de gostar ou não gostar das tarefas domésticas.
Eu tenho consciência de que sou uma privilegiada se analisada sob o ponto de vista geral e mesmo assim acredito que nós mulheres já provamos coisas demais. Somos competentes em trabalhar, conseguimos ganhar o mesmo e até mais do que os homens, podemos escolher a hora de termos filhos ou optar por não tê-los, decidir se queremos casar ou sermos solteiras a vida toda... Mas acima de tudo e o mais importante é que podemos viver livres das amarras e rótulos de um feminismo ultrapassado por nossos próprios méritos, pois quase tudo o que queremos podemos (e uma das coisas que não podemos é justamente o tema de um dos próximos posts desta Casa). Simone de Beauvoir escreveu no livro O Segundo Sexo (considerado o fundador do feminismo moderno): “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” – eu concordo. As que pisoteiam as conquistas da luta feminista e se desvalorizam são as que se resumem e se contentam em ser o mínimo possível do que implica ser mulher e ser humano. Mas jamais será o prazer em organizar a própria casa que fará tal coisa. Por isso é que dou vivas àquelas que se orgulham do que são, sabem o querem, do que são capazes e ainda vão brigar muito para conquistar todo o resto daquilo que são impedidas de fazer.
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PS: Adélia, segundo o dicionário de nomes, significa nobre, indica uma pessoa que luta para tomar as rédeas do seu destino. Não gosta de depender de ninguém, nem mesmo dos pais. Hábil e esperta, em geral consegue o que quer da vida. Mas deve combater a ansiedade e desenvolver o sentido de vida em comum.
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